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Espanha financiou a ditadura de Videla na Argentina

Documentos secretos do governo de Espanha a que o Público.es teve acesso revelam que o então Rei Juan Carlos e o governo presidido por Adolfo Suárez financiaram generosamente a ditadura militar argentina, que precisava de centenas de milhares de dólares para o seu plano de extermínio dos opositores. Banqueiros como Emílio Botín, do Santander, também contribuíram.
O rei Juan Carlos e o ditador Jorge Videla

Calcula-se que, só no primeiro ano da ditadura, a repressão custou mais de 400 milhões de dólares. E apesar de o regime do Estado espanhol já ter empreendido a chamada transição para a democracia, nem o Rei nem o chefe do governo viram qualquer problema em ajudar financeiramente uma ditadura sanguinária que não escondia o seu caráter.

Os arquivos a que o Público.es teve acesso mostram como Juan Carlos foi o intermediário dos acordos, começando por receber, em julho de 1976, o embaixador da Argentina em Madrid (que era um general). Segundo o relato da reunião, o rei mostrou apoio à forma como o governo argentino enfrentava os problemas económicos que vivia e mostrava-se muito generoso em relação à visita oficial que iria fazer o ministro da Economia de Buenos Aires, José Alfredo Martínez de Hoz, um dos maiores defensores do neoliberalismo mais exacerbado.

Acordos comerciais milionários

A visita decorreu em 22 de julho de 1976 e foi seguida de uma outra, entre 1 e 3 de dezembro do mesmo ano. Só o acordo com a Junta Nacional de Carnes da Argentina daria lucros de 3,8 milhões de dólares a Buenos Aires.

No final das reuniões de dezembro, as delegações dos dois países assinaram um “Protoclo de Cooperação Comercial e Financeiro entre a República Argentina e o Governo de Espanha”, um documento que tinha o carimbo de “Confidencial” e no qual se estabeleciam os passos a serem dados por cada país.

O apoio financeiro de Madrid contribuiu para a estabilidade económica que permitiu à ditadura dedicar-se com tranquilidade aos seus planos genocidas.

O Protocolo seria o responsável pelo auge das relações comerciais entre os dois países. Um relatório da época apontava para “um notável aumento do comércio global [entre os dois países] que chega aos 450,8 milhões de dólares” em 1977, valor considerado sem precedentes.

O apoio financeiro de Madrid contribuiu para a estabilidade económica que permitiu à ditadura dedicar-se com tranquilidade aos seus planos genocidas. Só nos três dias que durou a segunda visita de Martinez de Hoz a Madrid, nota o Público.es, “desapareceram” na Argentina mais de cem pessoas. Dias depois, seria preso e fuzilado um jovem galego, Urbano López Fernández, de 28 anos.

Que fim tiveram os protagonistas

Organizações defensoras dos direitos humanos, como as Mães da Praça de Maio e o Serviço Paz e Justiça, estimam em 30.000 o número de desaparecidos da ditadura militar.

Em 22 de dezembro de 2010, Jorge Rafael Videla foi condenado à prisão perpétua por crimes de lesa-humanidade durante o período em que esteve à frente da ditadura militar na Argentina.

Martínez de Hoz foi acusado em 1984 pelo sequestro do empresário Federico Gutheim e o seu filho Miguel Ernesto, e chegou a cumprir 77 dias de prisão pelo crime, mas acabou por ter a prisão revogada. Indultado em 1989, o seu indulto foi declarado nulo em 2006 e o sequestro foi considerado como parte dos crimes contra a humanidade e de terrorismo de Estado da ditadura. No dia 4 de maio de 2010 voltou à prisão, neste caso domiciliar, que cumpria quando morreu.

O Rei Juan Carlos abdicou do trono em junho deste ano.

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