Está aqui

Descriminalizar o trabalho sexual para reduzir o HIV/Sida

Num estudo apresentado na terça feira na 20ª Conferência Internacional sobre Sida, em Melbourne, Austrália, um conjunto de investigadores refere que a descriminalização do trabalho sexual pode traduzir-se numa diminuição, de 33 a 46%, das infeções pelo HIV entre as trabalhadoras do sexo e os seus clientes.
Foto de Nélson Ramalho, publicada na página de facebook da Rede sobre Trabalho Sexual.

O estudo, que pertence a uma série de trabalhos de investigação sobre os trabalhadores do sexo publicada pelo The Lancet, uma das mais importantes publicações científicas na área médica, assinala que os altos índices de violência a que são sujeitas as trabalhadoras do sexo, a perseguição policial, as más condições de trabalho, combinadas com as dificuldades de acesso à prevenção e cuidados de saúde aumentam significativamente os riscos de infeção pelo HIV.

De facto, segundo concluíram os investigadores, a criminalização, por parte de diversos países, do trabalho sexual leva a que as trabalhadoras do sexo procurem áreas isoladas, estando mais expostas à violência, e tenham menos poder para selecionar o tipo de clientes, as práticas sexuais e para impor o uso de medidas de prevenção, como o preservativo.

Por outro lado, o risco de serem discriminadas ou mesmo presas, afasta as trabalhadores do sexo dos serviços de saúde, em detrimento da prevenção e do controlo das infeções pelo HIV.

"Estas evidências confirmam claramente o que temos ouvido de profissionais do sexo e de académicos: que a criminalização coloca os trabalhadores do sexo em risco no que concerne à sua segurança, saúde e ao respeito pelos direitos humanos", avançou Kate Shannon, professora associada na Universidade de British Columbia e principal autora do trabalho de investigação, que analisou especificamente a realidade das trabalhadores do sexo no Canadá, Índia e Quénia.

Os governantes e os decisores políticos não podem continuar a ignorar as evidências”, alertou.

Criminalização do trabalho sexual é uma "violação aos direitos humanos”

Se quisermos diminuir a infeção pelo HIV entre os trabalhadores do sexo é preciso acabar com a criminalização dessa que é uma das atividades profissionais mais antigas. Essas leis representam uma violação aos direitos humanos”, afirmou Anna-Louise Crago, ativista, escritora e autora de um dos artigos do The Lancet.

Sienna Baskin, porta-voz do Projeto Profissionais do Sexo, em Nova York, afirmou, por sua vez, que "a criminalização pode ter um impacto direto sobre o acesso aos cuidados de saúde”. “O tratamento, como a terapia antiretroviral, requer estabilidade e consistência. Estar em risco de criminalização atrapalha isso ", frisou.

A Human Rights Watch também apelou à descriminalização do trabalho sexual, alertando que a criminalização afasta os trabalhadores do sexo dos serviços de saúde. A organização apoiou o apelo à descriminalização do trabalho sexual consensual e entre adultos "na medida em que as evidências provam que a criminalização prejudica a saúde dos trabalhadores do sexo”, sendo que a descriminalização tem o efeito inverso.

Trabalhadoras do sexo são 14 vezes mais propensas a ter HIV do que outras mulheres

Cinco grupos de alto risco - homens que fazem sexo com homens, transexuais, consumidores de drogas injetáveis, presidiários e profissionais do sexo - são responsáveis por cerca de metade de todas as novas infeções pelo HIV em todo o mundo, segundo informou a Organização Mundial da Saúde este mês. As trabalhadoras do sexo são 14 vezes mais propensas a ter HIV do que outras mulheres.

Não obstante esta realidade, de cada 100 dólares investidos na prevenção do HIV apenas 1 é destinado aos trabalhadores do sexo, de acordo com a ativista Elena Jeffreys, da Scarlet Alliance, uma organização australiana de trabalhadores do sexo.

Dos 192 países que tem dados consolidados sobre HIV/Sida, apenas 27 tem informações sobre a infeção entre esse grupo. Outro problema é que quando há informação ela é em geral relacionada com as mulheres trabalhadoras do sexo. Temos poucos dados sobre o impacto do HIV entre os trabalhadores do sexo masculinos e menos ainda dos transexuais”, afirmou Jennifer Butler, uma das autoras da serie de artigos sobre os trabalhadores do sexo publicados pelo The Lancet.

Em New South Wales, na Austrália, onde o trabalho sexual foi descriminalizado em 2009, os trabalhadores do sexo têm uma prevalência de HIV menor do que a população geral. O mesmo acontece em Amesterdão, onde a polícia se concentra em reduzir a violência e proteger os trabalhadores do sexo, o que reduz a sua vulnerabilidade e risco de infeção pelo HIV.

Trabalhadores/as do sexo em Portugal reivindicam regulamentação da atividade

Ainda que o trabalho sexual em Portugal não seja criminalizado, o Código Penal estipula que “quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos”, o que impede a celebração de contratos de trabalho e a organização dos trabalhadores do sexo.

Os e as trabalhadores e trabalhadoras do sexo em Portugal têm vindo a reivindicar a legalização e regulamentação da atividade e exigem os mesmos direitos dos outros trabalhadores, alertando que a atual situação é manifestamente discriminatória e atentatória da sua dignidade, além de conduzir a situações de exploração e de pôr em causa a sua segurança e a sua saúde.

Termos relacionados Sociedade
(...)