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Alemanha: A demagogia contra o povo grego visa todos os trabalhadores

A saúde da economia do Made in Germany e dos lucros do grande patronato baseia-se num retrocesso das condições de vida e de trabalho. Esta ofensiva contra os assalariados e as classes populares é acompanhada de uma campanha demagógica que cultiva os egoísmos nacionais, orquestrada pela CDU, e cujo alvo hoje é a Grécia. Artigo de Bertold du Ryon.

Berlim exibe uma sólida saúde económica, como sublinha o novo excedente comercial recorde segundo os dados publicados pelo Instituto Federal de Estatística (Destatis): a Alemanha nunca exportou tanto como em 2014. As suas exportações atingiram 1 133,6 mil milhões de euros, batendo o recorde precedente de 2012. O seu excedente comercial nunca foi tão elevado, atingindo os 217 mil milhões de euros, 22 mil milhões a mais do que em 2013.

Esta saúde da economia do Made in Germany e dos lucros do grande patronato baseia-se num retrocesso das condições de vida e de trabalho, para um mundo do trabalho cada vez mais precário. Esta ofensiva contra os assalariados e as classes populares é acompanhada de uma campanha demagógica que cultiva os egoísmos nacionais, orquestrada pela CDU e cujo alvo hoje é a Grécia, e, consequentemente, acompanhada também de uma regressão política da qual se alimentam as forças da extrema direita.

Esta última expressou-se nas manifestações anti imigrantes iniciadas pelo Pegida em Dresde. Movimento efémero? O movimento talvez, a ascensão reacionária certamente não.

Na semana passada, o novo ministro grego da Economia, Yanis Varoufakis, reuniu-se com o seu homólogo alemão, o grande tesoureiro Wolfgang Schäuble. O encontro, que teve lugar a 5 de fevereiro, pareceu não ter dado frutos. À saída, o ministro grego declarou: “Nem sequer estivemos de acordo em constatar que não estávamos de acordo”.

O ambiente foi bastante frio, e o representante do governo de Alexis Tsipras teve que compreender que Schäuble não queria deixar-lhe nenhuma margem de manobra para um reescalonamento ou uma anulação parcial da dívida acumulada pela Grécia. “A fiabilidade é a condição (prévia) da confiança”, frisou o conservador alemão Schäuble, entendendo por isso que o novo governo grego não devia desviar-se nem um centímetro da via do reembolso da dívida contratada pelos governos precedentes. Em parte, além disso, para comprar armas (tanques, navios de guerra, aviões) cujos primeiros fornecedores eram a Alemanha e a França, sendo os gastos militares gregos - 4,3% do PIB - os mais elevados da União Europeia. Evidentemente, para Schäuble, a dívida ilegítima ou odiosa é algo que não existe!

O chefe dos usurários da Grécia

Esta posição não foi uma surpresa. O Ministro das Finanças da principal economia do continente, e cujo país alberga - e influencia - também o Banco Central Europeu (BCE) com sede em Frankfurt, já tinha clarificado a sua posição várias semanas antes. Mais precisamente, a 29 de dezembro de 2014, no dia seguinte ao fracasso da eleição de um novo presidente da República pela antiga coligação de Antonis Samaras, o que abriu caminho para as eleições legislativas antecipadas de finais de janeiro. Naquele dia, Schäuble quis “recordar à Grécia as suas promessas”, no preciso momento em que o FMI suspendia o seu empréstimo ao país.

O Partido Social Democrata (SPD), que participa no governo com a direita democrata-cristã e social-cristã (CDU /CSU) de Angela Merkel e de Wolfang Schäuble, compartilha estas mesmas posições, a nível dos seus dirigentes mais à direita. A 2 de fevereiro passado, Peer Streinbrück, antigo Ministro de Finanças e candidato (fracassado) do SPD à chancelaria em 2009 contra Angela Merkel, declarou o seguinte numa entrevista ao diário Die Tageszeitung: “Varoufakis exige que capitulemos sem resistência (…) Não se pode, num acto de obediência por antecipação, aceitar já anular dívidas pelos decénios que vêm! É muito possível que a economia grega recupere, e que possa satisfazer as suas obrigações, num ou noutro momento”.

Esta dura posição é bem mais popular no conjunto do país. Desde 2010, uma sólida maioria de mais de 60% apoiou a política da chanceler Angela Merkel no que respeita à Grécia. Uma política que combina intransigência de fundo (sim, a Grécia deve pagar as suas dívidas) e acertos sobre as modalidades (escalonamentos, empréstimos intermédios para permitir aos governos gregos pagarem hoje os juros da dívida... endividando-se para amanhã e depois de amanhã).

A ofensiva da extrema direita

Mais à direita no tabuleiro político, esta posição é ainda mais dura. Ao contrário da França, onde a extrema direita faz desde há muito demagogia sobre o assunto, apresentando o seu próprio país e a Grécia como duas vítimas - a um nível equivalente - do ogro supranacional europeu, a direita nacionalista alemã apresentou sempre os gregos (como tais) como culpados. Certamente, a FN francesa acaba de mudar o seu discurso sobre a questão: antes das eleições do 25 de janeiro, felicitava-se da esperada vitória de Syriza, porque esta permitiria voltar a discutir o sistema do euro. Mas, depois, o partido francês de extrema direita pronunciou-se claramente contra uma anulação parcial da dívida grega, uma medida “irresponsável” segundo o FN... As coisas têm-se assim clarificado, e o partido neofascista francês não se posiciona no mesmo campo que o povo grego, um campo no qual efectivamente não tem lugar em absoluto...

Na Alemanha, tais ambiguidades, ainda que fossem mantidas por razões puramente tácticas, nunca existiram. Em 2010, um partido de extrema direita com dimensão regional (que teve certa influência em Colônia), pró NRW, colou cartazes nas eleições regionais de Renânia do Norte-Vestfália com esta inscrição: “Nem um cêntimo para os gregos!”.

O partido soberanista de (extrema) direita AfD (“Alternativa para a Alemanha”), que avançou nos dois últimos anos, retomou a mesma tocha, culturizando, inclusive racializando o conflito com os “gregos”, apresentando a situação económica da Grécia como resultante de pretensos rasgos culturais “mediterrânicos” ou “sulistas”... Assim, em meados de maio de 2014, numas “Jornadas políticas” organizadas na Universidade de Passau (Baviera), o porta-voz do partido AfD, Konrad Adam, fez umas declarações que suscitaram um clamor de protesto numa parte do auditório estudantil: “Se os gregos se deitam à sombra da bananeira e decidem não trabalhar, não tenho nada contra. Mas que não sejamos nós a pagar!” (sic).

A resistência das organizações do mundo do trabalho

Nem todos partilham desta posição na Alemanha. Está a organizar-se um movimento de solidariedade com a Grécia, sobretudo na esquerda radical, e os aparelhos sindicais reagiram também à vitória do Syriza e aos debates que se seguiram. Assim, a poderosa federação sindical de serviços VerDi (com cerca de dois milhões de filiados) e a IG Metall, a federação da metalurgia, têm-se desmarcado da política governamental em recentes declarações. A da IG Metall intitula-se: “Grécia depois das eleições: não um perigo mas sim uma oportunidade para a Europa!”, concluindo num apelo a “aproveitar a oportunidade para uma Europa democrática e social”.

Noutro apelo, mais “moderado”, comum aos secretários de várias das principais federações da DGB (que é, de facto, a confederação única dos sindicatos alemães), trata-se de abrir uma negociação “séria e sem tentativas de chantagem” com a Grécia.

Certamente, não é um apoio franco e entusiasta à política do Syriza, senão que está mais bem formulada como um apelo a negociar. Mas não deixa de ser verdadeiro que esta linha diverge seriamente da dos dirigentes políticos do SPD ou da CDU/CSU. O apelo é apoiado pela confederação DGB, as federações VerDi, IG Metall, IG Bau (construção), EVG (ferrovia e transportes), GEW (educação) e NGG (hotelaria, restauração e agro alimentar).


http://npa2009.org/arguments/dossier-sur-lallemagne

Hebdo L’Anticapitaliste - 276 (12/02/2015)

Publicado em espanhol pelo VIENTO SUR (Tradução de Faustino Eguberri)

Tradução de Mariana Carneiro para o Esquerda.net

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